segunda-feira, 26 de abril de 2010

Do drama clássico ao drama romântico

Se se pretender fazer uma aproximação entre esta obra e a tragédia clássica, poder-se-á dizer que é possível encontrar quase todos os elementos da tragédia, embora nem sempre obedeça à sua estruturação objectiva.
A hybris é o desafio, o crime do excesso e do ultraje. D. Madalena não comete um crime propriamente na acção, mas sabemos que ele existiu pela confissão a Frei Jorge de que ainda em vida de D. João de Portugal amou Manuel de Sousa, apesar de guardar fidelidade ao marido. O crime estava no seu coração, na sua mente, embora não fosse explícito como entre os clássicos.
Manuel de Sousa Coutinho também comete a sua hybris ao incendiar o palácio para não receber os governadores. A hybris manifesta-se em muitas outras atitudes das personagens.
O conflito que nasce da hybris desenvolve-se através da peripécia (súbita alteração dos acontecimentos que modifica a acção e conduz ao desfecho), do reconhecimento (agnórise) imprevisto que provoca a catástrofe. O desencadear da acção dá-nos conta do sofrimento (páthos) que se intensifica (climax) e conduz ao desenlace. O sofrimento age sobre os espectadores, através dos sentimentos de terror e de piedade, para purificar as paixões (catarse). A reflexão catártica é também dada pelas palavras do Prior, quando na última fala afirma: "Meus irmãos, Deus aflige neste mundo àqueles que ama. A coroa da glória não se dá senão no céu".
Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino acompanha todos os momentos da vida das personagens, apresentando-se como um força que as arrasta de forma cega para a desgraça. É ele que não deixa que a felicidade daquela família possa durar muito.
Garrett, recorrendo a muitos elementos da tragédia clássica, constrói um drama romântico, definido pela valorização dos sentimentos humanos das personagens; pela tentativa de racionalmente negar a crença no destino, mas psicologicamente deixar-se afectar por pressentimentos e acreditar no sebastianismo; pelo uso da prosa em substituição do verso e pela utilização de uma linguagem mais próxima da realidade vivida pelas personagens; sem preocupações excessivas com algumas regras, como a presença do coro ou a obediência perfeita à lei das três unidades (acção, tempo e espaço).

Simbologia

Vários elementos estão carregados de simbologia, muitas vezes a pressagiar o desenrolar da acção e a desgraça das personagens. Apenas como referência, podemos encontrar algumas situações e dados simbólicos:
• A leitura dos versos de Camões referem-se ao trágico fim dos amores de D. Inês de Castro que, como D. Madalena, também vivia uma felicidade aparente quando a desgraça se abateu.

• O tempo dos principais momentos da acção sugerem o dia aziago: sexta-feira, fim da tarde e noite (Acto I), sexta-feira, tarde (Acto II), sexta-feira, alta noite (Acto lll); e à sexta-feira D. Madalena casou-se pela primeira vez; à sexta-feira viu Manuel pela primeira vez; à sexta-feira dá-se o regresso de D. João de Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião, vinte e um anos antes.

• A numerologia (1) parece ter sido escolhida intencionalmente. Madalena casou 7 anos depois de D. João haver desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir; há 14 anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraça, com o aparecimento do Romeiro, sucede 21 anos depois da batalha (21=3x7). 0 número 7 é um número primo que se liga ao ciclo lunar (cada fase da Lua dura cerca de sete dias) e ao ciclo vital (as células humanas renovam-se de sete em sete anos), representa o descanso no fim da criação e pode-se encontrar em muitas representações da vida, do universo, do homem ou da religião; o número 7 indica o fim de um ciclo periódico. O número 3 é o número da criação e representa o círculo perfeito. Exprime o percurso da vida: nascimento, crescimento e morte. O número 21 corresponde a 3x7, ou seja, ao nascimento de uma nova realidade (7 anos foi o ciclo da busca de notícias sobre D. João de Portugal e o descanso após tanta procura); 14 anos foi o tempo de vida com Manuel de Sousa (2x7, o crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de Manuel e como mãe de Maria; 14 é gerado por 1+4=5, apresentando-se como símbolo da relação sexual, do acto de amor); 21 anos completa a tríade de 7 apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos periódicos O número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar obrigatório do ciclo da vida), enquanto o 3 indica perfeição; o 21 significa, então, a fatalidade perfeita.

• Maria vive apenas 13 anos. Na crença popular o 13 indica azar. Embora como número ímpar deva apresentar uma conotação positiva, em numerologia é gerado pelo 1+3=4, um número par, de influências negativas, que representa limites naturais. Maria vê limitados os seus momentos de vida.

Cenário

O Acto I passa-se numa "câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegancia dos principios do século XVII", no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada. Neste espaço elegante parece brilhar uma felicidade, que será, apenas, aparente.

O Acto II acontece "no palácio que fora de D João de Portugal, em Almada, salão antigo, de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de familia…". As evocações do passado e a melancolia prenunciam a desgraça fatal.

O Acto lll passa-se na capela, que se situa na "parte baixa do palácio de D. João de Portugal". "É um casarão vasto sem ornato algum". O espaço denuncia o fim das preocupações materiais. Os bens do mundo são abandonados.

sábado, 24 de abril de 2010

Resumo da obra "FREI LUÍS DE SOUSA" de Almeida Garrett

Drama representado pela primeira vez em 1843, publicado em 1844 e é considerado a obra-prima do teatro romântico e uma das obras-primas da literatura portuguesa.

A peça é baseada na vida de Frei Luís de Sousa, de seu nome secular D. Manuel de Sousa Coutinho. O enredo tem como pano de fundo a resistência à dominação filipina. Em 1578, o rei D. Sebastião desapareceu na Batalha de Alcácer-Quibir. Não tendo deixado herdeiros, houve uma longa disputa pela sucessão. Entre os pretendentes estava Filipe, rei da Espanha, que anexou Portugal ao seu império em 1580. O domínio espanhol duraria sessenta anos (1580 a 1640). Criou-se nesse período o mito popular do "Sebastianismo", segundo o qual D. Sebastião retornaria para reerguer o império português. Entre os nobres desaparecidos em Alcácer-Quibir estava D. João de Portugal, marido de Madalena de Vilhena.

D. Madalena de Vilhena, sete anos depois do seu marido (D. João de Portugal) ter desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, casa com Manuel de Sousa Coutinho, com quem forma um lar virtuoso e feliz e tem uma filha, Maria. Assim, a sua existência só é perturbada pelos tristes pressentimentos da frágil e sensível Maria e de Telmo, o velho aio, que continua à espera do regresso de D. João de Portugal. Então D. Madalena de Vilhena vivia angustiada com a possibilidade de que o primeiro marido estivesse ainda vivo. Esta situação durou vinte anos, no fim dos quais, D. João, que realmente estava vivo, retornou a Portugal, aparecendo disfarçado de Romeiro.

O desfecho é trágico: Manuel de Sousa Coutinho e Madalena resolvem tomar o hábito religioso e durante esta cerimónia Maria morre na igreja a seus pés.

Contexto histórico


O contexto histórico em que se baseia a peça Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, fornece o teor de probabilidade que rodeia a obra, permitindo que o autor se aproprie do período em questão e utilize as personagens verdadeiras da História de Portugal para montar a sua ficção. Retomando à tradição clássica literária que mostrava, através do poder da classe social dominante, a função do teatro garrettiano, volta-se para os preceitos de docere e delectare, ou seja, a fusão do ensinamento e do deleite, da instrução moral e do divertimento, do pão e do circo. Frei Luís de Sousa é rodeado de elementos da tragédia clássica e volta-se para a teoria aristotélica, no intuito de atribuir aos actos um tom de impacto, da mesma forma em que o sofrimento humano é altamente explorado (Pathos). As acções são desarmadas em peripécias, o oculto vem à cena no sentido de reconhecimento e a ideia de mutação da fortuna acontece na ambivalência de sentimentos, nas contradições de espírito que se confrontam em nós dramáticos até, por fim, desaguar no clímax.

Análise das Personagens

D. Madalena tinha 17 anos quando D. João de Portugal desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir. Durante 7 anos procurou-o. Há catorze anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho. Tem agora 38 anos (17 + 21). Mulher bela, de carácter nobre, vive uma felicidade efémera, pressentindo a desventura e a tragédia do seu amor. Racionalmente, não acredita no mito sebastianista que lhe pode trazer D. João de Portugal, mas teme a possibilidade da sua vinda. E com medo que a encontramos a reflectir sobre os versos de Camões e a sentir, como que em pesadelo, a ideia de que a sobrevivência de D. João destrua a felicidade da sua família. No imaginário de D. Madalena, a apreensão torna-se pressentimento, dor e angústia. É neste terror que se vê na necessidade de voltar para a habitação onde com ele viveu.

Manuel de Sousa Coutinho (mais tarde Frei Luís de Sousa): É um nobre e honrado fidalgo, que queima o seu próprio palácio, para não receber os governadores. Embora apresente a razão a dominar os sentimentos, por vezes, estes sobrepõem-se quando se preocupa com a doença da filha. É um bom pai e um bom marido.

Maria de Noronha: Tem 13 anos, é uma menina bela, mas frágil, com tuberculose, e acredita com fervor que D. Sebastião regressará. Tem uma grande curiosidade e espírito idealista. Ao pressentir a hipótese de ser filha ilegítima sofre moralmente. Será ela a vítima sacrificada no drama.

Telmo Pais: O velho criado, confidente privilegiado, define-se pela lealdade e fidelidade. Não quer magoar nem pretende a desgraça da família de D. Madalena e Manuel. Mas como verdade recorrente no mito sebastianista, acredita que D. João de Portugal há-de regressar. No fim, acaba por trair um pouco a lealdade de escudeiro pelo amor que o une à filha daquele casal, D. Maria de Noronha. Representa um pouco o papel de coro da tragédia grega, com os seus diálogos, os seus agoiros ou os seus apartes.

Romeiro: Apresenta-se como um peregrino, mas é o próprio D. João de Portugal. Os vinte anos de cativeiro transformaram-no e já nem a mulher o reconhece. D. João, de espectro invisível na imaginação das personagens, vai lentamente adquirindo contornos até se tornar na figura do Romeiro que se identifica como "Ninguém". O seu fantasma paira sobre a felicidade daquele lar como uma ameaça trágica. E o sonho torna-se realidade.

Frei Jorge Coutinho: Irmão de Manuel de Sousa, amigo da família e confidente nas horas de angústia, ouve a confissão angustiada de D. Madalena. Vai ter um papel importante na identificação do Romeiro, que na sua presença indicará o quadro de D. João de Portugal.

Análise dos actos e das cenas

Estrutura dramática

Estrutura Interna Estrutura Externa
Exposição Acto I - cenas I, II, III e IV
Acto I - cenas V-XII

Conflito Acto II

Desenlace Acto III - cenas I-IX
Acto III - cenas X-XII


Acto I


Cenas I-IV Informações sobre o passado das personagens;
Localização das personagens no tempo.

Cenas V-VIII Preparação da acção - decisão dos governadores e decisão de incendiar o palácio

Cenas IX-XII Acção: incêndio do palácio

Acto II
Cenas I-III Informações sobre o que se passou depois do incêndio


cenas IV-VII Preparação da acção: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa

Cenas IX-XV Acção: chegada do Romeiro

Acto III
Cena I Informações sobre a solução adoptada

cenas II-IX Preparação do desenlace
Morte de Maria


Cenas X-XII Desenlace

Características românticas


Primado dos valores do sentimento e da sensibilidade;
Individualismo
Hipertrofia do eu: Egocentrismo
Inspiração livre
Arte desligada de valores éticos, utilitários e sociais. Autonomia dos valores estéticos
Arrebatamentos, exaltação desmedida, espontaneidade
Nacionalismo
Homem indisciplinado, revoltado, irrequieto, pessimista
Homem que procura a evasão do real: no espaço – fuga para locais que representem qualquer coisa de exótico/diferente; no tempo – fuga para o passado (nomeadamente para épocas histórias em especial para a idade média)
Homem revoltado contra a sociedade, perdido do seu eu
Culto da mulher-anjo (frágil, pura, vestida de branco) ou então da mulher-demónio (leva os homens à perdição).
Amor sentimental e sensorial
Natureza espontânea, selvagem, sombria, melancólica
Preferência pelas horas sombrias ou crepusculares ou da noite
Preferência pelas personagens imperfeitas
Vocabulário familiar, afectivo, popular, sintaxe próprio da fala
Versificação livre e variedade estrófica
Gosto pela quadra
Democracia. Simpatia pelo povo
Tom coloquial
Exploração das noções de originalidade e de génio
Subversão das formas clássicas
Interesse pelo excepcional e desmedido, procura do particular e do diverso
Interesse pelos anseios e enigmas profundos do homem; exaltação da energia criativa do sonho e da imaginação
Confessionismo evidente
Valorização do nacional e do popular, redescoberta do passado medieval.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sebastianismo em Frei Luís de Sousa


No Frei Luís de Sousa, o mito sebastianista alimenta, desde o início, o conflito vivido pelas personagens, na medida em que a admissão do regresso de D. Sebastião implicava idêntica possibilidade da vinda de D. João de Portugal, que combatera ao lado do rei na batalha de Alcácer Quibir, o que, desde logo, colocaria em causa a legitimidade do segundo casamento de D. Madalena. Não é inocente, nem fruto do acaso, o facto de Garrett ter concebido que Madalena aparecesse em cena justamente a ler Os Lusíadas. Efectivamente, tal facto está também associado ao mito sebastianista que, deste modo, marca a obra desde o seu início.
Quem se encarregará, pois, de dar corpo a tal mito? Telmo Pais, o velho aio de D. João e em cuja morte não acredita, e Maria, filha de D. Madalena de Vilhena e de Manuel de Sousa Coutinho, educada por Telmo.

Biografia de Almeida Garrett

Nascido no Porto, a 4 de Fevereiro de 1799, João Baptista da Silva Leitão viria a falecer em Lisboa a 9 de Dezembro de 1854.

Os seus pais refugiaram-se em Angra, como consequência da invasão francesa de Soult, em 1809, onde o escritor recebeu a influência benéfica do seu tio paterno, o bispo D. Frei Alexandre da Sagrada Família, tendo recebido Ordens Menores e tendo mesmo, aos 15 anos, subido ao púlpito numa igreja da Graciosa, em substituição do pregador.

Matriculado em 1816 na Faculdade de Direito de Coimbra, em breve se dedica à actividade dramática num meio académico agitado pelas novas ideias, sobretudo políticas.
Concluído o curso, em 1821 (ano em que termina O Retrato de Vénus), vem para Lisboa, onde imediatamente acumula triunfos, no âmbito literário, com a representação de Catão (estreado a 29-11-1821), afectivos, com o fulgurante casamento com Luísa Midosi (de quem viria a separar-se em 1836), e políticos, inaugurados estes com a oração fúnebre a Manuel Fernandes Tomás.
Exilado como liberal em 1823, viveu em Inglaterra e em França até 1826.

No regresso a Portugal dirige os jornais O Português e O Cronista, mas conhece de novo o exílio de 1828 a 1832, voltando a Portugal com os bravos do Mindelo.

De 1833 a 1836, é nomeado Encarregado de Negócios e Cônsul-Geral na Bélgica.
Passos Manuel, na chefia do Governo após a Revolução de Setembro de 1838, encarrega-o da restauração do teatro português, missão que leva a cabo criando, não só o Conservatório de Arte Dramática, mas igualmente a Inspecção-Geral dos Teatros e sobretudo o Teatro Nacional.
É nomeado Deputado em 1837, Cronista-Mor em 1838 e finalmente Par do Reino em 1851.

Em 1852, num Ministério presidido por Saldanha, foi encarregado, por alguns meses, da pasta dos Negócios Estrangeiros.

D. Pedro V agraciou-o, a 25 de Junho de 1854, meses antes da sua morte, com o título de Visconde de Almeida Garrett.